O (previsível) abandono das ferrovias

(Artigo enviado para publicação no Correio do Povo)

O processo de fritura da Rede Ferroviária Federal avançava célere desde o governo Collor, mas foi, sem dúvida, a administração Fernando Henrique Cardoso a dar o tiro de misericórdia na empresa que, dentre as estatais, era considerada modelo de gestão junto com os Correios e Petrobrás. A RFFSA queria deslanchar, e tinha condições para isso, mas o Governo não deixava, cortando ou dificultando ao máximo os investimentos e levando-a ao sucateamento deliberado, para espanto de seus competentes técnicos e empregados. Veio a desestatização para que a ferrovia, em mãos privadas, pudesse se desenvolver, como alegavam os defensores da ideia. Muitos técnicos e políticos, na época, vaticinaram resultados contrários, duvidando que a retirada do estado do segmento pudesse trazer benefícios, no que foram duramente contestados pelos donos da verdade.E, finalmente, no início deste ano, o governo Lula e o Congresso Nacional sacramentaram a barbárie de acabar com a Rede.
As pressões que levaram à desestatização já são por demais conhecidas: retirar do Governo o único instrumento que ele tinha para regular os preços dos fretes; dar sumiço nos créditos de milhões de reais não recebidos pela RFFSA ao longo de muitos anos além das concessões dos trechos em contratos feitos de pai para filho. E quem tem concessão, obviamente, vai trabalhar a seu modo, visando os seus exclusivos interesses, por isso as desativações de ramais. Só no RS, um terço da malha está fora de uso. E as consequências estão aí. Só para lembrar: menos trens nos trilhos, maior o número de acidentes nas rodovias e de consumo de combustível. Mas claro, os interesses privados antes dos coletivos.
Treze anos depois da entrega da malha, a ANTT (que foi criada bem depois...) vem denunciar o abandono das estradas de ferro (CP-25/10), revelando que 62% das ferrovias concedidas à iniciativa privada estão “em péssimas condições de uso ou abandonadas”, e a maior parte da rede subutilizada está no Sul e Sudeste, ainda segundo a Agência. Leia-se: o patrimônio público, todo ele repassado às concessionárias a título de aluguel num prazo de 30 anos, está em péssimas condições ou abandonado. Como será a devolução depois disso? Então, que a ANTT faça, com eficácia, o seu papel de agente fiscalizador, sem se importar com as recentes reclamações do presidente da República ao afirmar que o “País está travado por excesso de fiscalização” (CP-24/10), para tentar reverter esta caótica situação. Tem que fiscalizar, sim. É o que espera o contribuinte num país que continua sem uma adequada e eficiente matriz de transporte por falta de vontade política (ou excesso?...).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Enir Borges

Carro O-3 novamente em destaque

UMA CHANCE PARA O VLT EM PORTO ALEGRE